quarta-feira, dezembro 30, 2009

Veritas?

Sinto na boca o paladar afogueado do absinto. Arde, doce e violentamente, incinera, bonançosa e fugazmente, agride, sedutora e ferinamente a brandura amarga do teu lindo sorriso com gosto a menta e morangos.
Confundo-o, quando me perco na louca imensidão da imortalidade, com o sabor da tequila, do rum, do gin ou do vodka… E como é difícil e improvável depois encontrar, entre os dias soalheiros e refulgentes da embriaguez, a sombra lúcida da realidade.
Fácil é viver no êxtase constante dos licores perfumados de esquecimento. Beber e sonhar, saltar arranha-céus e voar por entre as avenidas coloridas a preto e branco, caçar leões pelas planícies alentejanas e pintar aguarelas em noites de tempestade. Fácil é acreditar nos vapores etilizados de esperança. Pintar Picassos, Braques e Riveras, mergulhar nú nas calotes polares, saltar à corda no Krakatoa ou surfar as ondas do Tengger.
Sinto na boca o vermelho palato a logro e ilusão, a sede, virtualmente sequiosa, da saudade e a falsa alegria do inconsciente. Sinto na alma a insatisfação e plangência da realidade.

domingo, dezembro 06, 2009

Sobre o passado...

Recordo-me, estavas sentada no degrau platinado de uma escada e exclama violentamente na minha memória a placidez do teu vestido azul e a alvura do teu sorriso. Lembro-me perfeitamente, soprava uma brisa imponderável e salgada que fazia levitar os teus delicados e graciosos cabelos dourados.
Vi nos teus olhos, requebrados de alvíssaras, a brandura da alegria e a loucura do desespero. Como me poderia esquecer? Vibravam e reluziam numa sinfonia sincopada, fulguravam paixão e melifluidade, cantavam, tremiam, juravam, pulavam e viajavam numa calçada estelar que os transportava directamente a mim…

segunda-feira, novembro 09, 2009

A simetria!

A frondosidade é meramente alegórica naquela catadupa de lírios amarelos e lilases, diz-me a marmórea estátua de Hermes. Eles jogam-te como se fosses berlindes polvilhados de matizas rosáceas e atiram-te, carinhosamente, contra os pétreos balaústres da vermelha praça.
Não consigo deixar de sorrir perante esta modelar eterificação da mais transcendente e inverosímil existência que, apesar da improbabilidade material da sua representação taxilógica, adquire contornos similares à mais concreta realidade. E sorrio porque não posso deixar de me comover perante a alarvidade mental inerente à sua corpórea formulação.
Liberta-te do passado, grita Mercúrio.

quarta-feira, outubro 21, 2009

A demanda!

Estavam despejados, em cima daquela mesa de madeira de roble, centenas, ou talvez até milhares de botões. De todas as cores e feitios. Alguns grandes, outros pequenos. Pareciam ter sido violentamente vomitados. Estariam dispostos de acordo com alguma insondável razão anárquica?
Fragmentado e luzidio, sob o olhar visceral de um lustre dourado, dormia, sem sobressaltos ou inquietações, um relógio de bolso, intemporal, de ouro fino e incrustações em madrepérola. De forma insensata sonhava com o pretensamente inócuo movimento dos seus ponteiros prateados.
Um livro, de encadernado vermelho, repousava delicadamente sobre o contador. Não era possível discernir entre as letras leves e apagadas da lombada o seu significado.
Da poltrona, carcomida, decrépita, mas estranhamente sedosa e aconchegante, sentia-se o inferno da lareira, o lento crepitar das onduladas labaredas e o maravilhoso perfume da catarse.
A porta estava fechada.

sábado, setembro 05, 2009

Azul centopeia

Não consigo encontrar o grão de areia que te prometi! Perdi-me na infinitude da eterna procura, na impossibilidade metafísica da busca da idealidade, no irrealismo admirável da formosa loucura, em mim… Perdi-me na acidulada e pedante arrogância e no ruborescido e açucarado egocentrismo…
Que terei feito ao jardim de trufas vermelhas e gladíolos brancos? Que terá acontecido ao deserto que guardava dentro de uma Bola de Berlim? Onde estará o sorriso grená das tardes de domingo?
Agora, sinto ao longe o cheiro dos matizados colibris que pairam sobre as boninas verdes de betão e sinto nas minhas mãos, quando as seguro uma na outra, o frio aconchegante e dormente da cândida aurora. Imagino que não exista justificação para a desordem aromática da solidão que morre ciclicamente na pedra da saudade camuflada de oásis. É impossível que se encontrem estrelas incandescentes suficientes, no interminável e augusto deserto que esconde a singularidade dessas partículas minerais, para alumiar essa orgulhosa e imaginária demanda. É impossível que a desilusão do fracasso calcine alegremente a tranquilidade melodiosa da saudade.
Desculpa-me, mas não consigo encontrar o grão de areia que te prometi!

sábado, agosto 15, 2009

quinta-feira, junho 11, 2009

Patranhas...

Tu não és a verdade! Chegas a ser menos até do que a mais desprezível mentira. És abominável e arrogante. És a insónia e os suores frios. Nem sequer consegues sentir o cheiro das margaridas. Vives obsessivamente uma alucinação, uma quimera, um êxtase ininterrupto…
Tu não és a verdade! Não interessa se percorres o passeio de basalto de mão dada com aquela exultação mesquinha a que chamas Pandora! Ignoro, e confesso que quero continuar a desconhecer, o sabor das lágrimas que prometias carpir quando sentisses a nossa presença.
Tu não és a verdade! Será que conseguirias pelo menos ver o teu reflexo numa pedra de sabão? E sonhar com o saleiro púrpura do universo? Ou, talvez, saborear a brandura do chá japonês às onze da noite?
Eu sou a verdade! Deito-me e acordo com a certeza de ser incessante e inócua a procura! Vejo, em câmara lenta, o mundo correr no sentido inverso àquele para onde estou a rastejar. Consigo ler-te no fleumático fogo que crepita no horizonte. Tu não és a verdade, porque a verdade sou eu!

terça-feira, junho 09, 2009

Reminiscências...

Será que te lembras? Costumávamos ficar arguciosamente abraçados no escuro e dançar ao som de uma estulta e silenciosa melodia. Percorríamos, de mãos entrelaçadas, os caminhos escondidos e cobertos pelas outonais folhas da Europa. Devaneávamos por entre gotas de chuva docemente acariciadas pela luminosidade lunar. Sonhávamos, enlaçados e mergulhados numa melíflua alacridade, com a longevidade prometida, anunciada e esperada.
Será que te recordas? Arriscámos, orgulhosamente, uma mistura entre a ledice do fogo e a placidez da água num choque dicotómico, avassalador e feliz. Enviámos ao Universo, ao sabor da sorte utópica, uma embaixada perfumada de alegria e com sabor a esperança. Vivemos a simplicidade bucólica e fantasiada dos sorrisos pintados de carmim, a briosa insanidade dos beijos adormecidos, as marés trovadas à aurora e a arcaica explosão das bolas de sabão.
Será que te esqueceste? Daquele fado clamado com sabor a morango. Das estátuas brilhantes de um anil nocturno que te falavam em hebraico. Dos redondos assobios do leão do Kilimanjaro. Da cerejeira violeta e do limoeiro alaranjado. Dos dedos nervosos, dos olhos emudecidos e dos suspiros purificados. Dos passos errantes, do tempo que não queria morrer e do comboio chamado saudade.

terça-feira, junho 02, 2009

Imaginações

Tu, mais do que ninguém, devias ter percebido… Devias ter percebido a urgência da revolução solar. Devias ter percebido a força ritmada provocada pela queda dos grãos da areia desértica na palma da minha mão. Devias ter percebido a impaciente disputa entre o absoluto e o vazio.
Tu, como nenhuma outra pessoa, devias ter entendido… Devias ter entendido a tua, a minha, a nossa singularidade. Devias ter entendido a argúcia da serenidade. Devias ter entendido a inestética pulcritude da felicidade.
Tu, mais do que todos, devias ter compreendido… Devias ter compreendido a fantasia da tua presença. Devias ter compreendido a minha alegria com o teu sorriso. Devias ter compreendido o diletantismo ateu do nosso amor.

quinta-feira, maio 14, 2009

Virtudes?

Que silêncio avassalador é esse que encontro nas entranhas do meu ser? Que perturbação harmónica é essa que assombra a pútrida paz da minha alma? Que vulcão é esse que ameaça catastroficamente explodir e incinerar tudo à sua volta?
Raios… Estou deleitosamente a sentir o fim. Não consigo deixar de rir perante a arrogante demanda da fantasia em que não deixo de querer mergulhar. Sinto o ar ser-me sugado dos pulmões e a porta a fechar-se mesmo em frente do meu nariz. Sinto a nojenta repulsa da saudade, a estulta cobrança das memórias e o maravilhoso eco do fracasso.
Deixa-me! Liberta-me por favor… Dá-me a alforria da existência. Larga a mão do Morfeu e permite que me vá... Por favor! Já secaste todas as minhas lágrimas… Nada mais tenho para te oferecer para além das vãs recordações que não são mais do que folhas queimadas ao vento!

sábado, abril 18, 2009

Negro de Sol

Imagina duas maciças esferas mosqueadas de um enrubesço incandescente em colisões selvagens e contínuas. O caos provocado pelo seu magnífico impacto confunde-se com a esfuziante serenidade que a tua melíflua presença provocava em mim.
Imagina as coléricas explosões de um policromo fogo-de-artifício ateado pela louca alegria da saudade… Vê como sobem alto as frágeis e esguias ofídias de fogo numa alucinante e desesperada demanda por encontrar o plácido e silencioso empíreo e como rápida e voluptuosamente se metamorfoseiam no violento vazio da angústia.
Imagina a preciosa argúcia de um gigante trampolim que nos impele na arrogante loucura da busca pela felicidade. Porque me dizes que não tenho direito a sorrir?

quarta-feira, abril 15, 2009

Insensatez

Quão negro é o Sol? Quão silentes são os sarapintados pardalinhos? Quão ardentes são os glaciares árcticos? Quão vivas estão as graníticas esculturas? Quão luzente é a minha alma sem ti?

segunda-feira, março 30, 2009

Vertigem...

É demasiado agreste e excessivamente inverosímil. Ainda que não passe de uma inócua reflexão não suporto a perspectiva de uma imensa distância.
Estão-me a espremer as entranhas. Sinto as suas unhas afiladas a rasgarem-me os tecidos musculares. Sinto dentro de mim aquelas mãos sujas que me conspurcam, que me agoniam e que pouco a pouco me destroem.
Apetece-me fugir. Vens comigo por favor?