quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Simplicidade.

As gélidas lágrimas que deixas cair enquanto te olho e digo adeus, são como doces salpicos do salgado oceano que se embatem e diluem contra a suave pele do teu corpo. São quentes silhuetas em noites escuras à sombra dos vermelhos lampiões, ignóbeis perífrases incapazes de exprimir a louca saudade e a terna felicidade, espelhos opacos que enfraquecem e que quase ocultam os magistrais reflexos dourados debruados em violetas borrifadas pelo orvalho, são lutas, guerras, discórdias, são leões, tigres e leopardos, são frutas silvestres e frutos tropicais, é a alacridade e a imaculabilidade, são histórias de princesas, de reis e de dragões, são horizontes escarlates contra a amarela areia da praia e são meigos beijos que sentes e que gentilmente ofereces sem nada pedir em troca.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Será.

Olho para o verde horizonte, e perscruto os multicolores papagaios de papel que esboçam elipses e rabiscos prateados enquanto te levemente puxo na minha direcção. Sussurro ao teu ouvido melosas palavras de desejo que são alegrias incontáveis e brisas embriagadas, encosto a minha cabeça ao teu quente peito e fecho os olhos enquanto os teus ardentes lábios procuram e sorriem aos meus.
Não preciso de violentos e loucos gestos de melifluidade, apenas quero que estejas e sejas, apenas aspiro a subir os íngremes degraus da escadaria de azul mármore com as tuas mãos bem presas às minhas.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

O salpicado.

Cheiram a pólvora molhada dos tiros de prata, os pejados pomares de pêssegos vermelhos da minha aldeia. São balas envergonhadas que queimam e destroem os odores luxuriosos, a alegria pobre e despida do velho camponês e os telhados de palha seca das pequenas casas de pedra escura e suja.
Lá do alto, coçando os longos bigodes esbranquiçados do tempo, o oficial em traje de guerra acende com a rubra ponta do seu cigarro o canhão que violentamente explode, enquanto os brancos e amarelos malmequeres se comprimem e esbatem sobre as enormes rodas de madeira.
Procuras a aniquilação total, mas sei que te posso prometer que do preto borralho da batalha vão recrudescer as ilusões patrióticas de uma vitória pela emancipação do espírito e da alma, e que no final, apenas tu podes perder!

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Mosqueado.

São melosas centopeias de sarapintadas e azuis palavras que se articulam metafórica e desconcertadamente, como pedaços leves de algodão doce que se enrolam e colam dentro da nossa boca.
São as flores primaveris, que desabrocham ao som do chilrear compassado dos intrusos cantadores, que me fazem sorrir e beber o suave néctar do teu perfume que me invade e ocupa como a neve no cimo das montanhas de Inverno.
É assim que me fazes sentir, quando as tuas mãos se misturam indelevelmente com as minhas e quando os teus dedos percorrem lentamente a minha pele em busca de significados ocultos e harmoniosos.
Por isso, continua, sopra nos balões de cores brilhantes, faz com que o ar quente dos teus pulmões me faça levitar para lá do crepúsculo vermelho do horizonte, encosta a tua cabeça nos meus braços, beija-me, e faz-me acreditar e viver.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Olimpo.

As lajes de pedra rosada, soltas pelos gritos salivantes de um moribundo vento, são como cutelos de aço fleumático que rasgam e desfazem os meus sonhos e as minhas mais campestres e inocentes ilusões.
Odeio esses deuses que arremessam julgamentos do alto dos seus tronos de veludo azul e dourado, como se pudessem condicionar a minha própria vontade e existência.
Deixem-me por favor, larguem-me!

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

O casto.

Cospem labaredas vermelhas e laranja pelos afunilados olhos de cereja açucarada, como cães danados sofredoramente protegem o seu senhor loucamente envenenado pela fragrância de uma mulher, as ávidas e bucólicas estátuas de marfim saudosa e solenemente plantadas no alto de um monte constantemente sacudido por vaporosos sopros escondidos e rejeitados de deuses e profetas do além.
Zurram e vociferam calorosos impropérios e sagazes rumorejos, prendem, julgam, sentenciam e ordenam sobre a existência dos leves inocentes, que não são mais do que puros e imaginários peões no campo de batalha.
Então e eu, será que posso decidir quem sou?