quarta-feira, novembro 23, 2016

Estudos sobre a memória II


Nunca, como quando me recordo de ti, tenho tão perfeita noção da minha insuperável finitude!
Talvez seja do sabor ocre do calor que sinto nas minhas mãos quando repousam em surdina numa espera infantil ou da visão mosqueada de negro e grená que me surge nas entrelinhas numa tentativa de reminiscência catártica. Talvez seja porque procure encontrar um significado perene para a imensidão de cruzamentos superados em velocidade vertiginosa ou porque sou incapaz de aceitar a minha natural incapacidade para mergulhar na profundidade do azul oceânico.
Nunca, como quando me tendo recordar de nós, tenho tão perfeita noção da representação do vazio!

sábado, outubro 22, 2016

Estudos sobre a memória


Parece mentira, mas encontro-te em todos os ângulos rectos e nas margens estreitas da memória e sou ainda capaz de te achar nos caminhos traçados a giz que descobrem a variedade escavada dos sentidos. Na anamnesia dos misteriosos sorrisos, no embriagante perfume, na brandura do toque reconheço a profundidade ateia do que foste!
Por vezes, sobes por mim acima como se fosses um arrepio! Entras na minha alma e fazes-te notar! Revelas-te no doce sal das minhas lágrimas! No entanto, sinto que o Tempo me está a pregar uma partida, como se a recordação em mim gravada não passasse de uma miragem estupidamente real impressa num futuro que nunca acontecerá ou como se a tua existência e a minha pudessem, por artes mágicas, voltar a partilhar o mesmo Universo estelar.
Não sei porque é que insistes em aparecer em todos os momentos! Não há futuro para nós, apenas um passado em que o real e o imaginário se aproximam como duas linhas paralelas que se prolongam para o infinito.

domingo, abril 17, 2016

Sophia como Eurídice

Não sou eu que não existo, és tu! Aconteceste apenas numa criação da minha ébria imaginação. Num eclipse lunar numa tarde de primavera. Numa ilusão repleta de metáforas e acúleos venenosos.
Não fomos nós que não existimos, foste tu! Nós... nós beijámo-nos de mãos dadas nas praias desertas e silenciosas! Banhámo-nos desnudos nas margens saxosas dos rios encobertos. Silenciámo-nos encostados perante a grandeza do Amor. Dissemos a verdade durante toda a eternidade.
Não sou eu que não existo, és tu! Eu... eu percorro sozinho a extensão do enorme deserto. Sento-me na sombra dos feitos de Orfeu. Choro a dor de tu nunca teres existido!