Lembro-me de ti todos os dias. Não sei se podia ser diferente… é que
esquecer-me de ti seria como esquecer-me de mim próprio. E tu sabes que no
fundo, tudo, sobretudo a nossa existência, não é mais do que apenas Memória. A
memória das noites frias em que encostavas os teus pés gelados aos meus, dos
sonos escarlates e saltitantes, dos grãos de areia e toalhas enrodilhadas, das
grutas repletas de estalactites e estalagmites, dos abraços e das mãos perpetuamente
entrelaçadas...
Talvez seja isso! Demorou demasiado, mas creio que finalmente compreendi
a vastidão hercúlea do meu fracasso. É que hoje, mais do que alguma vez, tenho
perfeita noção de que os fragmentos da minha materialidade presente – mas
transitória – encontram apenas fundamento nas memórias de uma existência passada
que se vai haurindo à medida que os segundos, numa sequência vertiginosa e
imparável, perecem uns atrás dos outros. Memórias, seguramente, encobertas ou
reconstruídas pelo Véu de Maya. Memórias que não podem, certamente, ser mais do
que meras imagens reflexas e quimeras forjadas pela implacável passagem do
tempo. Memórias de tal forma metamorfizadas que agora serão, garantidamente,
pouco mais do que as substâncias amórficas e plasticizadas da tentativa
frustrada de um processo catártico.
Diz-me ao ouvido, por favor, como é que se vive com o reconhecimento
do fracasso absoluto? Como conservar o equilíbrio com a certeza de que somos somente
o produto fátuo de recordações, de lembranças e de memórias que, aparentemente,
nos envolvem como um manto protector, mas que, na verdade, apenas obnubilam a
dimensão intrínseca de um desaparecimento gradual e certo? Como admitir que a
nossa finitude não é apenas a inevitabilidade de um futuro mais ou menos
distante, mas a hodiernidade inconfessável do momento presente? É que, na
verdade, sinto-me a desaparecer a uma velocidade tal que quase consigo
senti-lo.
É que sabes, apesar de ser pouco mais do que sombra, entre a reconstrução
da memória e a agnição do fracasso, consigo ainda vislumbrar reminiscências da matéria
de que és feita. Nesses momentos, toda a minha humanidade estremece perante a lembrança
da fogosidade da tua pele, da suavidade do teu perfume, da solicitude da tua
voz e da perfeição do teu sorriso. Por instantes quase que respiro, apesar da absoluta
noção de que te perdi para sempre! Ninguém consegue imaginar a falta que me
fazes.
1 comentário:
Parabéns ao autor pela escrita, e em especial, pela capacidade de fazer sentir quem se encontra deste lado.
Não obstante a beleza, indiscutível, do texto, fazemos votos para que em 2018 tenha inspirações mais (alegremente) esperançosas e positivas.
(o que não deve ser difícil…afinal de contas, não são os sportinguistas os profissionais da esperança?!)
Enviar um comentário